Ser português - Marisa Vitoriano
A
identidade de um país é não mais do que a expressão generalizada do conjunto de características dos seus habitantes. No fundo, e de forma simplificada, é os pontos
de união da história, cultura e tradições de quem
nele habita. Seja qual for a sua origem. É sob este mote que se apresenta, no presente texto,
o que é ser português, um povo multicultural.
Ser
português é andar com um cravo numa mão e uma guitarra na outra, enquanto se caminha por uma calçada antiga, carregando
nas costas o peso que nos custou a liberdade
e no coração o orgulho de todos os que lutaram para Portugal ser o país
livre e independente que é hoje. Temos o exemplo de Dom Afonso Henriques
que lutou contra os espanhóis; de Os Quarenta
Conjurados que puseram
fim à Dinastia Filipina e restauraram a independência;
e dos Capitães de Abril, todos eles mas com principal destaque para o Salgueiro de Maia, que puseram fim aos
anos de ditadura e conquistaram a liberdade da
democracia.
E
não nos esquecemos do povo! Porque, ser português é ser representante do povo. Daquele que não é caracterizado por cores,
raças ou crenças, mas sim de todos os que, na
sua humilde vontade de continuar a respeitar e honrar quem fez de
Portugal um país livre, lutam todos os dias para o manter assim.
Daqueles que lembram
a história e as glórias
sem abafar os podres e as
derrotas. Os que aplaudem as boas práticas e que são capazes de admitir tudo o que não devia ter sido
feito. Aqueles que estão dispostos a crescer e abrir o pensamento a boas causas e à união e combatem pessoas e ideais
que desrespeitam os valores humanos.
O
português leva consigo o fado da saudade e da canção. Mas, ao mesmo tempo, ao
virar uma esquina para a ouvir uma
moda em crioulo e a saborear a multiculturalidade de um país que, em tempos, enviou
caravelas para o mundo e, agora, acolhe
esse mesmo mundo. E tantos
outros.
Ser
português é ser do mundo, porque o povo luso vive de mente aberta para receber
e partir. Recebemos turistas e emigrantes dos quatro cantos
com os braços abertos. Partimos
em busca de novas vivências e espalhamos o bom nome do nosso país por
outros tantos lugares.
A fusão de várias culturas esteve sempre presente na
génese do português. A herança dos mouros,
as especiarias da Índia, os tecidos da China, a idiossincrasia de cada povo que visitámos
e de cada pessoa que acolhemos.
Acolher é um dos verbos que melhor consegue
caracterizar o que é ser português. Um povo de tradições familiares, que gosta de
reunir parentes e amigos à volta de uma mesa grande e recheada de petiscos como caracóis, enchidos e queijos. E que
nunca lhes falte pão, cerveja e vinho. Simultaneamente, é um povo sempre disposto
a receber turistas,
abrindo-lhes as portas de casa, de restauração e do comércio. Não fosse o turismo uma das maiores
fontes de rendimento de Portugal.
Ser português é festejar a tradição e beber da inspiração de novas culturas. No fundo, é estar
em constante transformação, porque não há nada mais português do que saber adaptar-se.
É o país do desenrasca, mas também é o do povo que arrisca. Que sai à rua com bandeiras e cartazes a manifestar os seus direitos e
que sai para o mundo à procura de novas oportunidades. Também é ficar por cá. A passear, a viver, a empreender.
Sempre com um bicho carpinteiro - e todas as suas outras expressões
características - a tentar fazer mais, ser mais.
Portugal pode ser um
país pequeno, mas o seu povo é gigante. Aliás, ser português é ser grande. Não o maior, porque aí já se
estaria a entrar por caminhos de ego excessivo e superioridade. E a superioridade é uma condição
demasiado perigosa para a união
de um povo tão plural como o lusitano. Ser português é ser grande,
porque ser grande é ser persistente e
aceitar as diferenças. E é na diferença que está a natureza de um povo com tantas
culturas em tão pouco território.
Basta
andar duas horas de carro - para norte ou para sul, para oeste ou para este...
pouco importa - e vai-se encontrar
tradições diferentes, sotaques diferentes, expressões diferentes. Até nas horas,
porque se estiver no norte vai ser “cinco menos um quarto” e, no preciso
momento, no centro,
vai ser um “quarto para as cinco”.
Quem diz horas,
diz bebidas e objetos. Se se está no Sul calça-se uns
ténis, se for para o norte só encontra sapatilhas. Se no norte tem repas, no centro tem franja. Se no sul bebe-se
uma imperial, no norte emborca um fino.
Uma das grandes provas
da diversidade de culturas e tradições em Portugal são os ranchos
folclóricos e etnográficos. Apesar de todos eles serem do mesmo género
artístico e partilharem todos o mesmo
objetivo, conseguem ser todos únicos na medida em que cada grupo representa a tradição da sua terra
ou região. Desta feita, se se juntarem dez ranchos de dez zonas diferentes do país, o resultado serão dez trajes,
adereços e canções diferentes.
E tudo bem! Porque
ser português é coabitar com a diversidade. Ou não fosse Portugal um país
de antónimos. O país banhado de norte a sul, da gente do mar que vive da pesca
e tem o sangue salgado e as mãos
ásperas e calejadas como a areia da praia e as rochas das suas encostas. O país do campo do interior meio esquecido
meio abandonada, com aldeias isoladas
e pessoas para quem a praia é apenas uma fantasia. O país das grandes cidades, com metros, comboios, autocarros
e elétricos, perto de vilas sem sistema de transportes públicos.
Vive-se
num país de artistas - daqueles cheios de talentos e de outros que só tem aspirações - ao mesmo tempo que se vê a
cultura ser negligenciada, ignorada. Ser português é crescer num país de poetas, fadistas
e atores de revista, ao mesmo tempo que se descobrem talentos na literatura
contemporânea, no Hip Hop e no Rock, e em peças de teatro irreverentes.
Em Portugal
estudam-se as palavras
de Fernando Pessoa,
Sophia de Mello Breyner e José Saramago e lê-se livros
de João Tordo, Afonso Cruz e Djaimilia
Pereira de Almeida.
Descobre-se
a comédia com Gil Vicente e ri-se às gargalhadas com o humor de Herman José e
Bruno Nogueira. Ouve-se Amália pela voz de mães e avós e vibra-se em
concertos de Branko e Dino
D’Santiago. Vai-se a uma matiné no Maria Vitória e termina-se a noite com uma sessão
no Teatro Aberto.
Mas, infelizmente, ser português também
é fechar os olhos à sua cultura
e valorizar tudo o que é estrangeiro. Não importa se é melhor
ou pior, vem de fora e isso é que importa.
Talvez
tal aconteça por este povo ter estado 40 anos fechado para o resto do mundo, privado
de grande parte das artes e da cultura que se fazia nos outros
países. O português criou, assim, uma visão quase mística do estrangeiro,
atribuindo-lhe, muitas vezes, uma maior
importância do que é produto nacional. É um mecanismo de defesa, ou uma reação causa-efeito. Chamem-lhe o que quiserem,
no final o que importa é a descrença na cultura ser o Calcanhar de Aquiles dos portugueses.
Portugal
é o país do futebol. Sobre tal não existem dúvidas. Discute-se futebol em
qualquer lado. Há sempre um fora de
jogo ou um penálti mal marcado para se comentar. O povo português é capaz de mover mundos e cantar a uma só voz quando
se trata de futebol mas que
é capaz de vendar os olhos à cultura. Esteja em queda ou em ascensão. Importam
os festivais, que têm (quase)
sempre como cabeça
de cartaz artistas
internacionais.
Não
se quer com isto criticar a popularidade do futebol. Muito pelo contrário,
Portugal têm muitos motivos
para se orgulharem dos seus clubes e jogadores. Todavia,
não se pode falar sobre isto de se ser português sem
salientar o facto de se este povo se importasse tanto com outras questões como com o “desporto-rei” reuniria todas as
condições para melhorar exponencialmente
em muitas outras variantes, como a cultura, anteriormente falada, a política,
a economia e questões sociais
como o feminismo.
O
povo português tem muitos pontos positivos. É muito rico culturalmente, mas
ainda tem um longo caminho a percorrer para ser um povo exemplar. Tem grandes dificuldades a falar e perceber assuntos políticos e
relacionados com finanças. Ainda vive numa sociedade maioritariamente patriarcal, abrindo várias lacunas na segurança
e nas oportunidades dada às
mulheres. E, apesar de toda a sua multiculturalidade, ainda consegue ser um
povo racista e xenófobo. No fundo, um
povo como ótimos exemplos, ao mesmo tempo que ainda tem muito para aprender e melhorar.
Em suma,
ser português não é ser perfeito, mas é partilhar
de histórias e sentimentos tão únicos
como a palavra saudade. É ter força e resiliência para enfrentar cada dia do
seu fado.
Marisa
Vitoriano
Obra
submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"
ENSAIO
Edição 2021
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