O Que É Ser Português? - Ana Mónica Pinto

           Mais um dia de Maio acaba de se iniciar

São oito da manhã e ouves: “é hora de acordar".

Os raios de sol entram tímidos pela janela,

E a mãe apressada, na porta, já faz de sentinela.

 

Pão e manteiga encontram-se sobre a mesa

E o chá, na chaleira, já ferve com certeza.

Na TV passam notícias, sobre um bandido que foi apanhado,

O pai comenta: “este, já passa o natal fechado”.

 

A avó reclama que nesta casa ninguém trata da loiça.

Continua a barafustar na esperança que alguém a oiça.

Pego na minha marmita e saio de casa de fininho,

Que bom que é o silencio de estar um pouco sozinho.

 

Na minha casa não cabem apenas dois ou três,

Cabe toda a minha família e os vizinhos talvez.

Há uma cozinha cheia de presenças inesperadas

E de algumas amigas que se fazem de convidadas.

 

Sigo o meu caminho pisando a calçada,

Queria uma raspadinha mas a loja parece fechada:

“Uma desgraça, morreu o senhor Manuel, dono da papelaria,

É do tabaco sabe…  tão novo, ninguém o adivinharia".

 

As vizinhas do bairro são a mais segura fonte de informação,

Sabem os amores e desamores, quem foi à missa e quem não.

Procuram sempre ser as primeiras a relatar o ocorrido,

Seja porque alguém não paga as contas ou porque o periquito tenha morrido.

 

O transporte público chega pontual no seu atraso,

Ou vais em pé ou colado a uma pessoa ao acaso.

Na carruagem um cego canta na esperança de uma esmola,

Todos fingem nem escutar o som daquela viola.

 

“Está mau para todos” lança uma senhora para o ar,

“Ainda este ano a minha filha foi para França, aqui não estava a dar,

Tem dois filhos pequenos, não tinha maneira de os sustentar,

Parece que lá fora já se consegue orientar”.

 

De chegada ao trabalho ninguém é pontual,

Por isso ainda há tempo para uma merenda e um Compal.

O chefe barafusta e apenas reclama,

Mas é sempre o último a sair da cama.

 

Conduz um carro que é dos últimos modelos,

Diz que tem trabalho até pelos cabelos,

Mas comenta se que é casado com a filha do dono

E que um dia ainda poderá cair do trono.

 

“Ainda vem um pior, este já sabemos como lidar”

Dizem os colegas depois de muito reclamar.

Porque somos mesmo assim, não temos confiança

Mas temos ainda mais medo da mudança!

 

É hora de partir, pergunto à Rosa se quer a minha companhia,

De todas as raparigas era ela sempre que eu escolhia,

Para além de bonita, diz-se que cozinha qualquer prato,

Sonha um dia ainda vir a ser atriz de teatro.

 

A noite já espreita sobre as ruas da cidade,

Nas portas dos bares já se respira liberdade,

Ouve-se fado ao fundo e partilham se abraços,

O vinho nas malgas já provoca alguns embaraços.

 

Contam se histórias de um tempo passado,

Vislumbra-se saudade num rosto já cansado.

Há uma mesa cheia de boa comida portuguesa.

E o calor aconchegante de uma lareira acesa.

 

Ser português é ter memória,

É partilhar sempre a nossa glória,

É ter sempre um lugar a mais na mesa,

É enfrentar todos os desafios com esperteza!

 

É ter orgulho e ter saudade!

Dizer sempre “quem me dera a tua idade!”

É amar de verdade e intensamente,

E nunca contentar-se com o presente!

 

É estender sempre a mão, até ao inimigo

E ter a arte para sempre comigo

É não ter medo de cantar bem alto na rua

“Esta poesia será para sempre tua!”

 

 

Ana Mónica Pinto

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

 

 

 

 

 

 

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