O Que É Ser Português? - José Augusto de Pinho Neno

                                                                                                  Este chão, que acolheu Povo Judeu,

                                                                                                        Ainda que algo tenha de europeu

                                                                                                      É muito mais do que isso: é Português.

                                                                                                                                      (In Chão Português)


A clara e bem precisa definição de “o que é ser português”, isto é, a identificação da ontogénese do cidadão português em termos étnicos, sociais e culturais, implica mui profunda reflexão acerca de questões que têm por alvo os Hominídeos originários da Ásia Menor, em especial os que se arreigaram na Mesopotâmia a partir dos quais o levita Moisés (inspirado legislador hebraico fundador de Israel) engendrou o Génesis, dando especial relevo à descendência de Sem, o filho primogénito de Noé, entre cujos elementos entendeu dispensar particular destaque a Abraão que intitulou e referenciou como o primeiro Patriarca dos Hebreus.

De facto, dotados de inteligência penetrante e tendo o nomadismo como fulcro de resposta às exigências da vida, através da deambulação pelas diversas regiões por que iam avançando, os Semitas, ao verificarem a prodigalidade da Natureza, a vitalidade pujante que a exorna e a consequente fertilidade que expande, desde logo intuíram o princípio do monoteísmo a partir da convicção de que “o que existe por si” é a amostra do Deus único e verdadeiro que definiram como “causa de todo o ser” traduzido no tetragrama YHWH que deu origem ao termo Jeová.

No persuadido prosseguimento da rota investigativa atinente à plena configuração do ideal teológico, os Semitas atravessaram desertos da Arábia, passaram ao Norte de África e na fruição dos naturais encantos da região, deram origem a civilizações com afinidades religiosas, étnicas, culturais e linguísticas, entre as quais cumpre referir as desenvolvidas por Hebreus, Egípcios, Árabes e Fenícios.

Acostados ao Mar Mediterrâneo, através dele prosseguiram na persistente diáspora que, transpostas as Colunas de Hércules, os levou a enfrentar o Oceano Atlântico e a acolherem-se na faixa mais ocidental da Europa onde, solidariamente acolhidos pela Mãe-Natureza, se deslumbraram com a múltipla e rica variedade de espécies animais e vegetais que ali “existe por si”. Então, tendo por referência as vicissitudes ocorridas com o seu antepassado Noé como agricultor e viticultor (embriagando-se com o vinho por si produzido), foi com natural bonomia que os Semitas ali acoutados se renderam ao mito da fábula em voga sobre o jubiloso entusiasmo de Luso aquando da sua visita à tão propalada e cobiçada região.  

Segundo a mítica lenda, o filho de Baco (deus do vinho), depois de inebriado pelo excitante sabor da essência a cargo da diva custódia paterna, decidiu instalar seu térreo poiso na zona que o encantara, assim surgindo o Solar de Luso a que diversas tribos semitas – e não só – se foram progressivamente acolhendo.

Com o progressivo decorrer do tempo, o Solar de Luso passou a ser denominado Lusitânia – cujo significado é “Armazém da Luz e apelidados de Lusitanos os povos ali acolhidos, sendo a maioria de etnia e cultura semítica, dos quais importa realçar os Hebreus, descendentes de Jacob, filho de Abraão e Sara, e os Ismaelitas, provenientes da relação do Patriarca com a egípcia Agar.

Formados na prática dos princípios e valores subjacentes à cultura moral e religiosa dos descendentes de Sem, de que se assumiram como legítimos herdeiros, os Lusitanos pautaram o seu comportamento social pelo culto da verdade, da rectidão, da justiça, da honestidade, da benevolência universal, da humildade, da tolerância religiosa e do respeito pela Natureza, tendo por imperativo legal os princípios e valores subjacentes às regras e prescrições emergentes do Direito Natural. Despidos de presunções e de preconceitos, foram-se irmanando sob o ideal monoteísta e, motivados pela mensagem deífica do “tudo o que existe por si”, embalaram-se na doce brandura do polimorfismo do clima envolvente e adaptaram o seu modo de estar na vida à composição agrológica dos terrenos, fruindo as riquezas naturais do respectivo manto vegetativo.

Dotados de índole pacífica e, à semelhança de Abel, de humilde religiosidade ante os magnificentes dons da Natureza, não tardou, contudo, o forçado confronto a que foram sujeitos por mercê da inveja e da cobiça de imperiais Cains da imponente Roma. Inveja e cobiça que, a coberto do Direito Positivo ao serviço de presunçosos detentores do poder, incidiram sobre os Semitas descendentes de Abraão não só na Lusitânia, mas também no Norte de África e em Israel. É então que, ante a submissão da elite hebraica (fariseus, macabeus e saduceus instalados no Sinédrio) ao supremo poder do Império Romano, se revela a messiânica mensagem humanista anunciada por João Baptista e divulgada a preceito pelo essénio Jesus de Nazareth, a insurgir-se publicamente contra comportamentos sociais anti-humanos e antiéticos em vigor num mundo moralmente pervertido. Mensagem que privilegia o culto do respeito, da justiça e da solidariedade entre os Homens, porque só assim se alcança viver no Reino de Deus, onde prevalece “a causa de todo o ser”. Daí, a assertiva, convicta e mística afirmação de que o seu “reino não é deste mundo”.

Como a religião é suporte ideológico do poder político, por motivo da aristocrática linhagem do Rabi da Galileia, as teses de cariz teologal por si defendidas e propagadas foram habilmente adoptadas por teóricos oportunistas que se empenharam em difundi-las com base na mítica divinização do seu humano autor. Assim, surgiu e se expandiu no mundo pagão o Cristianismo a que Semitas hebreus e islamitas se recusaram aderir, em face do antinaturalismo que lhe subjaz.

A recusa evoluiu para o confronto depois de no Concílio de Niceia convocado pelo Imperador Constantino, se manterem activas as divergências que surgiram na Igreja de Alexandria sobre a natureza ontológica de Jesus, onde Ário, presbítero cristão, se opôs à defesa da tese da natureza divina do Rabi da Galileia. Com efeito, foi em Alexandria que, depois da morte na cruz de seu bem-amado marido, se refugiara Maria de Betânia (vulgo Maria Madalena) a fim de proteger da avidez romana e da fúria de Herodes Antipas o legítimo herdeiro da linhagem real que tinha em gestação no seu ventre. Daí, ter sido em Alexandria que nascera Sara (filha de Jesus, o Messias descendente do Rei David) cujo nome em hebreu significa “princesa”.

Com apoio do poder imperial, que adoptara o Cristianismo como religião oficial do Império, a Igreja de Roma impôs-se de forma austera, pelo que as divergências que não conseguiram ser ultrapassadas no Concílio de Niceia, três séculos após, foram agravadas com o surgimento afirmativo do Islamismo fundado por Maomé, político árabe e assumido semita descendente do patriarca Abraão, tal como o era Jesus de Nazareth. Em consequência, o monoteísmo do “tudo que existe por si” deu origem a três religiões também elas monoteístas, mas em belicosas desavenças entre si por causa da ambição materialista de seus patriarcas que, apostados em imporem ao Mundo suas doutrinas e respectivas liturgias, de olhos ambiciosamente postos no lucro do negócio em perspectiva, investiram belicamente no controlo e domínio do centro comercial em que se tornaram Jerusalém e os Lugares Santos em que Jesus, o Messias da Galileia, deixou marcas da sua passagem na Terra.  

Posto que mera região politicamente inserida no domínio do Império Romano, ou palco das investidas na Península Hispânica de Suevos e Visigodos por cujos reinos foi repartida, ou apreciável espaço estratégico disputado em confrontos religiosos e territoriais entre Prelados e Príncipes afectos à Igreja de Roma, por um lado, e os heréticos Emires maometanos, por outro, a Lusitânia, ainda que ocupada ora por uns ora por outros, conseguiu manter a identidade territorial própria, embalada ao colo de Ceres por canções de Eolo e afagada ternamente por Nereidas ao ritmo dos agitados bailados de Neptuno.

Em consequência, os Lusitanos – um povo frugal de índole pacífica e de propensão universalista, tendo por respeitosa norma o culto da verdade, da justiça, da honestidade e da fidelidade aos princípios éticos, religiosos, lógicos e humanos subjacentes à sua organização social, embora sujeitos, ao longo dos séculos, a diversas e contraditórias directivas ideológicas e jurídicas com que os seus mentores apostaram em avassalar a Península – jamais abdicaram da sua consistente identidade cultural. Conviveram com ideologias e culturas instaladas em seu redor e foi com sublimada tolerância que no seu espaço assistiram à construção de sinagogas, de mesquitas e de catedrais e templos cristãos. Entretanto, convictos, discretos e fiéis ao seu ideário religioso, prosseguiram em profícua relação com a Mãe-Natureza, na concretização de equilibrados projectos de desenvolvimento pessoal, social, científico, cultural e económico por ela suscitados através do adequado exercício de actividades terrestres, fluviais e marítimas.

No decorrer das divergências e confrontos instalados entre as três religiões rivais, calculadamente suscitadas pela Igreja Católica e rigorosamente postas em persistente marcha, as Cruzadas – organizações militares que partiram da Europa rumo à Terra Santa e à cidade de Jerusalém com o objectivo de as conquistar e manter sob domínio cristão – inspiraram a criação da Ordem dos Monges Cavaleiros do Templo que, por força de circunstâncias dinásticas de interesse político, tendo oportunidade de aceder ao “Armazém da Luz”, nele se instalaram para, por mercê da iluminação de seus doutos mestres, avançarem com a eficiente colaboração dos Lusitanos, para a fundação do primeiro Estado-Nação da Europa a que, por meras razões de natureza geográfica, foi outorgado o nome Portugal.

Portadores da mensagem teologal e humanista do Rabi da Galileia e correctamente informados sobre sua determinante história de vida a nível pessoal, familiar e político, os Templários Portugueses – de cujos mestres se impõe relevar Gualdim Pais –, uma vez confirmada a afinidade teológica e cultural com o Povo Luso, não hesitaram em lhe darem as mãos, assegurada a comunhão no que concerne a princípios e valores do Humanismo essénio em que se fundamenta a vera doutrina de Jesus de Nazareth.

Doutrina em cuja afirmação e prática condizente se empenharam João Baptista e Maria Madalena – primo e esposa de Jesus – e que inspirou a fundação de Portugal levada a efeito pelos ínclitos Monges Cavaleiros do Templo. Para tanto, em seus mosteiros e conventos foram programadas, aprofundadas e aplicadas as pertinentes dimensões e naturezas do conhecimento.

A nível filosófico apostaram no ensino das Ciências, das Artes e das Letras, tendo por suporte a transcendência que naturalmente se opõe â imanência do ser humano.

A nível prático, de acordo com a composição orológica e a influência climática de cada região, foi, desenvolvida a actividade técnica com criação de condições para que as comunidades lusas deslocadas para os locais sob o domínio e influência conventual se dedicassem profissionalmente a eficientes tarefas nos domínios da construção civil, da carpintaria, da florestação, da agricultura, da pecuária, da pastorícia, da construção naval, da pesca, da cordoaria, da salicultura, da indústria alimentar, da indústria de lanifícios, da moagem de cereais quer em moinhos eólicos quer em azenhas fluviais, da mobilidade e transporte de mercadorias com recurso a barcaças ao longo dos rios ou a carroças puxadas por gado bovino e cavalar.

Neste ambiente de mútua cooperação solidária, as comunidades lusas fixaram-se e, dotadas de condições para manterem o equilíbrio na relação entre si e com a Natureza, deram origem ao surgimento de aglomerados populacionais com que o Chão Português foi sendo povoado sob a influência dos princípios e valores do Humanismo difundido pelo essénio Rabi da Galileia.

Assim, no contexto de mútua cooperação se desenvolveram e afirmaram também a Arte Popular e a Língua Lusa, de que hoje são inquestionável testemunho as rusgas, os cantares-ao-desafio e os ranchos folclóricos com os populares ritmos de dança como o Vira-do-.Minho, o Corridinho-do-Algarve, o Fandango-do-Ribatejo, a Canaverde, a Chula, o Sapateado.

Manifesta foi também a colaboração dos Lusitanos com os herdeiros do património cultural dos Monges Templários, sob cuja égide os princípios e valores do Humanismo foram difundidos e postos em prática pelas comunidades indígenas encontradas e contactadas pelos navegadores portugueses na saga da Diáspora lusa pelo Mundo, saga que Camões celebrou com o épico poema Os Lusíadas.

Radicada no Povo humilde, simples e amante devoto da Natureza, a Alma Lusa é o lídimo suporte da sua ontológica identidade, pelo que ser Português é ser cidadão do Mundo, solidário com o Próximo e com a Natureza, convictamente apostado na defesa dos valores teológicos e morais do Humanismo messiânico de Jesus de Nazareth.

Em suma, ser português é investir na afirmação do Reino de Deus.

 

 

José Augusto de Pinho Neno

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

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