O QUE É SER PORTUGUÊS - José Pombal

0 – Intróito. 

muito recentemente me apercebi desta interessante iniciativa da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP). Mas senti-me de imediato compelido a participar, sinal que estas questões da portugalidade não me são indiferentes, antes pelo contrário.

Assim, escritas praticamente em cima dos joelhos, estas reflexões não seguiram nenhum  método científico, não são o produto de aturado trabalho de investigação, nada disso.

São apenas a manifestação da portugalidade que habita o meu subconsciente mas que está sempre muito presente e que é espoletada de forma inesperada, como aconteceu agora com esta vossa questão.

Utilizei apenas a bagagem do meu percurso vital e a emoção. E isso já pode ser o início da resposta a esta pergunta.

 

  1 – Uma pergunta de resposta complexa?

 

Tenho andado a formulá-la aos portugueses comuns que me rodeiam. Ainda ninguém me conseguiu surpreender: a coisa anda sempre à volta dos estereótipos que parecem poluir a nossa capacidade de pensar de forma alternativa: os símbolos nacionais, a língua, a saga dos mares, a hospitalidade, a religião, a gastronomia, a dieta mediterrânica, a diáspora. Tudo isto também, claro, mas a portugalidade que nos habita vai muito para além e por isso a SHIP nos questiona com oportunidade.

Um dia, o meu professor de geografia dos primeiros anos do liceu, encarregado de nos explicar os climas, formulou previamente a seguinte questão: o que é o vento? A classe, acometida de uma paralisia mental colectiva, só conseguiu focar-se nos efeitos do vento (árvores que abanam, carneirinhos no mar, velas dos barcos e dos moinhos que enfunam, etc) mas sem o definir. Então o vento não será o ar em movimento, perguntou ele em jeito de conclusão? Para nosso pasmo.

Optei por fazer então a pergunta a uma faixa etária (dos 0 aos 6) que, por não ter ainda interiorizado os estereótipos que vêm com a educação, mas sendo nados portugueses, me pudessem dar afinal dar uma resposta simples e límpida como um cristal.

Como tal não aconteceu ainda, vou ter mesmo de ser eu a tentar responder. Ou pelo menos lançar alguns caminhos para alcançar esse desiderato.

 

    2- Esta singularidade que é ser português!

 

Quando não se consegue definir, com um único termo ou parágrafo, o que se pretende, temos de começar por identificar e discutir as manifestações da portugalidade, como fez a minha turma de geografia com o vento. E talvez um dia alguém consiga resumir num parágrafo, de preferência curto, esta singularidade que é ser português.

O reconhecimento instintivo da portugalidade. Os portugueses não precisam de ouvir a sua língua ou ler as legendas que identificam as imagens de uma qualquer notícia ou paisagem do seu país, seja ela natural ou urbanizada, para as identificar. Um dia estava no estrangeiro a ver numa TV sem som a reportagem de um rali. Como não acompanho o desporto automóvel eram- me indiferentes os bólides que serpenteavam pela paisagem. Mas a paisagem não! Os freixos, as paredes em xisto, os lameiros e a luz que os alumiavam podiam ser portugueses. E eram! Assim como são portugueses os telhados de algumas casas da ilha de Ataúro ou o ambiente urbano do centro histórico de Olivença, onde paira o espírito dos portugueses que deixamos ficar para trás há duzentos anos.

O gesto. Não é só a língua ou a palavra que nos identifica, é o que fazemos com as mãos e a cara, com o corpo em suma, que nos identifica perante terceiros e entre nós. Um dia, numa qualquer cidade turca da costa mediterrânica, alguém me viu passar, sozinho e ensimesmado e, nas minhas costas, chamou: Bacalhau! Voltei-me de imediato e deparei com um sorridentíssimo turco que me disse: -Vocês são todos iguais como gotas d’água!! Ali estava o produto de duas diásporas, a portuguesa e a turca. O homem tinha coabitado com portugueses nos “bidonville” de Paris nos anos setenta, ainda falava um português escorreito e garantia farejar um portuga em qualquer ambiente. Isto também é ser português, a singularidade do gesto, para além da palavra e da língua.

Um só território e uma só nação. É preciso procurar com algum cuidado para encontrar no resto do planeta esta singularidade. Mas não é nem foi este facto que ajudou a fixar o estalão do nosso povo. Foi e é exactamente o contrário. Os portugueses ocupam um território que tinha todas as condições para dar origem a diferentes nações mas não deu. Estamos numa latitude onde o planeta faz a transição dos climas e assim os portugueses relacionam-se com a terra de forma diferente, em função do regime de chuvas e de temperaturas, dando origem a diferentes temperamentos. Existem ainda fronteiras naturais que podiam ter determinado uma divisão. Os grandes rios ibéricos à medida que caminhamos de Norte para Sul e as grandes montanhas do litoral para o interior. O resto da Península, que partilha connosco estas características, é um mosaico de nações! Então porque motivo um português do Norte se identifica instintivamente com um nativo do ainda não extinto Reino dos Algarves, enquanto isso não sucede em Espanha?

A miscigenação. Pode argumentar-se que esta não é uma singularidade portuguesa. Não é! Outros povos estão em processo acelerado de miscigenação, sobretudo no Novo Mundo. Mas a antiguidade do fenómeno sim. O território da nação portuguesa consolidou-se de Norte para Sul. Mas não empurramos os muçulmanos na nossa frente até os fazer embarcar de volta a África. Fomos antes por eles temperados, tanto no sangue como na cultura com a qual havia tanto a aprender e aproveitar. E esta singularidade portuguesa, que ajuda a determinar o que é ser português, prosseguiu e continua em marcha. Determinou a originalidade da nossa colonização enquanto europeus que também somos. E foi também a nossa portugalidade que explicou a forma pacífica como decorreu a reabsorção dos nacionais regressados com a descolonização. E actualmente, terminado o sonho do império e regressados às fronteiras ancestrais, prossegue, sem grandes dramas, essa miscigenação, facilitada agora pelas vias e meios de comunicação. Matizando e fazendo evoluir este conceito tão difícil de agarrar do que é ser português.

 

José Pombal

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

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