O Que é Ser Português? - Joana Pena

 

Definir a identidade portuguesa é paradoxalmente um processo de grande simplicidade e extrema complexidade. Simplicidade no sentido em que há um percurso histórico bem delineado e idiossincrasias tão evidentes que se tornam simples de enumerar, e complexidade na medida em que é extremamente redutor equivaler a condição de ser português e as suas memórias histórico-culturais a um punhado de palavras.

O filósofo e ensaísta português Eduardo Lourenço dedicou a sua carreira a pensar na identidade nacional, e teve a humildade de reconhecer não conseguir abarcar o significado último do que é “ser português”. Assim sendo, arriscar-me-ia a dizer que será sempre um trabalho incompleto, até pela constante mutação do ser humano e da sua envolvente.

Comecemos por um traço muito distintivo da cultura portuguesa: a sua língua. Antiga e com disseminação internacional (encontra-se presente em cinco continentes), é uma das línguas europeias mais faladas do mundo e o idioma mais usado no hemisfério sul. A comummente designada “língua de Camões” carrega universalidade, e não só unifica portugueses como também todos os povos que a usam pelo mundo. É um forte símbolo da identidade portuguesa e importante transmissor da sua cultura.

Ser português é igualmente integrar um povo com uma história feita de muitas conquistas e feitos, os quais, quer se aceite ou não, integram a história fundamental do Universo. Como pioneiro da exploração marítima na Era dos Descobrimentos, o Reino de Portugal expandiu os seus territórios entre os séculos XV e XVI, estabelecendo o primeiro império global da história. É ainda o país com as fronteiras mais antigas da Europa. Muito importante, lutando internamente contra a ditadura e a opressão, os portugueses empreenderam a Revolução dos Cravos de 1974, e conseguiram ultrapassar o “orgulhosamente sós” passando para a integração europeia. A adesão em 1986 à então Comunidade Económica Europeia foi um novo passo no progresso de Portugal como nação. Os antieuropeístas, ou somente os mais céticos, podem não concordar, mas parece consensual que consolidou o processo de modernização do país, bem como permitiu novos avanços na escolarização.

Não obstante, é comummente mencionado que o país outrora líder nas Descobertas se encontra hoje na cauda do espaço europeu em termos económicos. Não podemos desmentir. A corrupção é uma mancha da portugalidade, que tem envergonhado o país e atrasado o seu crescimento. A própria escolarização ainda se encontra numa fase embrionária em comparação com as nações mais desenvolvidas. Mas a busca da promessa de um país próspero e justo para os que nele habitam está sempre no horizonte. E os portugueses não são conhecidos por desistir.

No espectro diametralmente oposto, podemos mencionar o eclético perfil de valências, com destaque para áreas tão distintas como a gastronomia, literatura, música, arquitetura, desporto, teatro, dança, moda ou ciência, entre muitas outras. Não se trata de exacerbar as capacidades portuguesas, isto é, não podemos afirmar que temos os melhores escritores, os melhores cientistas ou os melhores bailarinos, mas podemos e devemos reconhecer o mérito a quem o tem. E é inegável que os portugueses são talento nacional e espalhado pelo mundo em vários domínios. Nem é sequer necessário mencionar nomes – basta mencionar um domínio de atuação, e logo diversos portugueses se sobressaem.

O próprio país começou recentemente a ser visto de modo distinto pelos outros países. A partir do momento em que começou a ser reconhecido e explorado, começaram a percebê- lo. Ainda é um mistério para muitos povos mas o seu património material e imaterial colocou o “pequeno canteiro à beira-mar plantado” na rota do turismo. Já não é somente um pequeno país perto de Espanha, mas sim um destino de excelência. Pelos locais e pelas pessoas. Com uma enorme habilidade em receber e se relacionar. Há vozes que mencionam um presente decadente em contraposição a um passado glorioso. Há alguma verdade nisso, mas há sobretudo um povo que luta contra as crises, a austeridade e que, embora tenda a culpar (pelo menos parcialmente) o poder político pelos insucessos, não abdica da esperança. Parece já não pairar o mito do Sebastianismo. Principalmente nas novas gerações, que parecem já não acreditar na vinda de um salvador ou num milagre; sabem que são elas próprias o motor da mudança e têm as qualificações necessárias para a levar a cabo.

Incontestavelmente, um português é um ser humano acolhedor e que adora a proximidade. Solidário, patriota, amigo. Tranquilo, pacífico e de espírito alegre. Orgulhoso, esperançoso, saudoso. A sua beleza reside na sua pura imperfeição. Cede e recebe cidadãos do mundo – uma diáspora que nunca termina. Por outro lado, é por vezes triste e saudoso. Compara o presente com o passado, e teme pelo futuro. Povo extremamente autocrítico, mas que não lida bem com críticas externas – um conselho: não critique Portugal a um português, ou poderá ser abalado por um fervoroso patriotismo.

Existe uma série de estereótipos sobre os portugueses, fundamentalmente centrados na incapacidade de organização e até mesmo intelectual, na preguiça e tendência para a boémia. Mas devemos evitar estas sínteses estereotipadas para se compreender a essência de um português. A mulher de bigode, o vício de comer bacalhau ou o país onde só se ouve fado são caricaturas do povo português impregnadas pela ignorância de quem o desconhece. Esta espécie de tentativa de inferiorização social parece ter praticamente desaparecido contemporaneamente, mas ainda algum estigma, que acredito será exterminado num futuro próximo.

Nos dias de hoje, ser português significa surpreender os portugueses e o mundo. E esse forte peso genético, com história e narrativas próprias, e carregado de resiliência e perseverança, perdurará independentemente dos abalos que possa sofrer no seu percurso.

 

  

Joana Pena

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

 

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