“O que é ser lusodescendente? - nunca vi, nem comi, eu só ouço falar” - Juliana Fasuolo de Carvalho Pereira

Nunca pus os pés na “terrinha”. Muito embora meu passaporte diga “cidadã portuguesa” (com certeza) e eu guarde no fundo do peito a tal viagem como possível tábua de salvação para o apocalipse que, esse ano, mostrou o seu rosto. É a vã esperança que fez meus avós fazerem o caminho contrário, em busca de oportunidades verdejantes, que, hoje, queimam aos olhos do mundo.

Vieram crianças. Suas histórias de vida, contadas durante a MINHA infância, soavam como contos inacreditáveis. Que bom! Bom sinal! O mundo evoluiu (talvez nem tanto). Não encontraram o que esperavam, mas prosperaram - à sua maneira. Deixaram pra trás o trabalho infantil, duras noites mal dormidas em sacos de farinha e tanta coisa que eu nem sei. As piores dores se mantinham em segredo. Melhor assim. Não me doem. Maior conquista.

Eu também sempre me vi como cidadã do mundo. Talvez por isso. Essas histórias me enchiam de orgulho, medo e coragem. Pensava, desde muito nova, que moraria em outro lugar e construiria uma vida. Uma família. Conheceria outras culturas. Teria o que contar aos netos, que sempre desejei (embora nunca quisesse filhos).

Mas a minha juventude se encheu de trabalho regado à curtição e sobrevivência. E vice-versa. Até tentei. Não construí nada. Embora tenha levantado e sacudido a poeira incontáveis vezes. Outras, ainda não. Coisas minhas e da minha geração.

Nunca me senti totalmente brasileira, embora ame com sinceridade o Rio de Janeiro. Bato palmas agradecida a cada pôr do sol. Mas desde criança me perguntam “se eu sou daqui”. Estou a ponto de nem eu saber.


Cresci num prédio que era uma colônia lusitana na Tijuca. Tantos portugueses (ou filhos) morando juntos, no final da vida. Parecia um combinado, mas eles não tinham organização para tanto. Acreditava, naturalmente, que o sotaque português era coisa de velhos. Não havia crianças da minha idade, à exceção da Bruna Andréa, filha de Moçambicana, de Maputo (kkkk). No 504, eu provava comidas exóticas, ela me batia, me contava histórias de guerras africanas e me divertia. Rimos quando vimos, pela primeira vez, uma criança falar com sotaque lisboeta. Coisa de outro mundo.

Meu avô, António Maria Pereira, era o louro de olhos verdes mais carioca que já conheci. Fazia a melhor caipirinha. Gostava (como eu) das mulheres. Sempre alegre. Graças a ele, todo bar me soa familiar. Mas quando lembro dele, penso no bolinho de bacalhau, no vinho, no cheiro do cozido - que meu paladar infantil não entendia. E das tardes no zoológico, em São Cristóvão, bairro Imperial. Dele imitando o gato brasileiro e logo depois afinando o bigode e chamando o gato português - “miallll”.

Me custa sair daqui. Mas pelos acontecimentos de 2020… navegar é preciso. Embora não saiba para onde, falo a língua e sei que dentro de mim há Portugal. Sempre o vi como extensão da minha terra, da minha gente. E sei imitar o sotaque.

Nada, absolutamente nada, que eu pensei que seria, foi. Então…

 

Que sera, sera

Whatever will be, will be The future's not ours to see Que sera, sera

 


Juliana Fasuolo de Carvalho Pereira

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

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