SER-PORTUGUÊS NO(S) DESASSOSSEGO(S) DO(S) COMÉRCIO(S) EM … PORTUGAL” - João Manuel Cebolas Batista Barreta


Ser Português será … tudo, daí que, como Português, o ensaio que submeto foque uma temática que venho trabalhando, há mais de vinte anos, a que não é estranha a génese do “Ser-Português”, ou seja, o Comércio que fez de Portugal esta tão grandiosa nação, desde a epopeia das Descobertas, e inspirado por um dos grandes vultos da nossa literatura, numa obra muito peculiar – o “Livro do Desassossego”.

Neste contexto, o “Ser-Português” passa pelo(s) desassossego(s) de “ser-Comércio” em Portugal.

As pretensas semelhanças com um diário, em que se expõem inúmeras vivências e não poucas inquietudes, interrogações, acima de tudo reflexões, fizeram, por isso, do consagrado “Livro do Desassossego” uma obra singular.

Não apresentando narrativa definida, clássica, por não se lhe conseguir vislumbrar princípio, meio e fim, importa mencionar que a obra inspiradora resulta da junção de textos, sendo percetível e identificáveis traços autobiográficos, introspeção e intemporalidade na reflexão e descrições que lhe subjaz.

Inspirado num livro, jamais assumido enquanto tal, por razões de forma, a essência do(s) conteúdo(s) que encerra traduz-se em permanente e intemporal desassossego.

O presente e pretenso ensaio sobre o “Ser-Português”, não pretensioso (o ensaio, entenda-se!) também, não o pretende ser, assumindo a natureza de reflexão, do querer e do crer, tanto do último como do primeiro, de mero desassossegado com aquilo que é o Comércio e seus comércios, enquanto mote revelador de um anti sossego que espelha a sociedade ao longo do(s) tempo(s), daí a ideia de expor, não narrando, através de um ensaio, de um conto, de mão cheia de outros tantos, que visa retratar o(s) nosso(s) Comércio(s).

O autor do “Desassossego”, Fernando Pessoa, referiu-se ao tema - Comércio, escrevendo-o em mil nove e vinte seis, “Muita gente fala de comércio como se ele fosse só um. Na realidade não há comércio: há comércios.”.

Esta constatação, por si só causadora de desassossego, escrita (por quem compreende, porque sente, o Comércio), vai para cem anos, contextualiza o Comércio e os comércios que o fazem, não deixando indiferentes os que se interessam por Comércio(s), atores que agem, reagem ou, simplesmente, se disfarçam na triste condição de figurantes com ambições, por vezes, desmedidas de protagonismo(s).

Da vida que o(s) Comércio(s) gera(m), em seus distintos contextos, tudo gira em torno do grande ator que, afinal, se confunde com o cenário, com o guião, ou seja, a sociedade, chamem-lhe de consumo ou consumista, em suma, as pessoas que protagonizam o Comércio - quem compra, quem vende, mas não só, tudo o resto, que não é pouco, enfim,…os atores, na verdadeira aceção da palavra que tudo resume – o(s) Comércio(s).

A reflexão acerca do(s) Comércio(s) e seu(s) desassossego(s) extravasa meros jogos de palavras, de conjugações entre singular e plural. Antes de tudo está o entendimento do que é a pluralidade do todo (setor) e a singularidade das partes (as lojas).

A crónica pré-ocupação que pretende justificar e fazer crer preocupação com o assunto revelará tão só a ausência crónica de querer … fazer!

A inspiração para, em pouco menos de 3000 palavras, deixar um modo de “Ser Português”, no caso, por via do “Ser Comércio” sobre o qual, desassossegado, me venho debruçando, há mais de duas décadas, só se revela possível pela admiração profunda da obra de Fernando Pessoa, em especial do Livro do Desassossego, que sendo seu, ou melhor de um dos seus pseudónimos, é Português, é de Portugal, é do Mundo.

 

QUADRA DE COMÉRCIO EM QUADRO DE CONSUMO – O ESTADO DA ARTE DO DESASSOSSEGO ... EM PARTE!

A tradição mantém-se, os usos e os costumes teimam em afirmar-se, a quadra repete-se e o quadro sucede-se. Poucos são aqueles que conseguem escrever a quadra ou enquadrar o quadro, em dois ou três curtos parágrafos, não caindo na tentação de integrar na sua prosa as palavras “comércio”, “compras”, “consumo” ou outras expressões a estas, bem ou mal, associadas. Para alguns, mais ou menos novos, menos ou mais velhos, haverá, ainda, mais para uns do que para outros, uma palavra que bem as resumirá – “presente”!

Ano após ano, principalmente, nesta quadra e em tal quadro, privilegia(m)-se, de forma algo excessiva, o(s) presente(s), relembra(m)-se, em demasia, o(s) passado(s) e descura(m)-se, de forma comprometedora, o(s) futuro(s)! 

Chegados, ano após ano, à dita quadra, a época das compras, por excelência, o quadro, qual espelho, reflete a imagem de que muitos são aqueles que compram, e muitos mais serão aqueles que consomem. Uns, ainda com pouco passado, pedem o(s) presente(s), ainda sem muito pensar em futuro(s). Outros, em maior número, porque a cada ano que passa já ligam menos ao(s) presente(s), cada vez vão tendo mais passado(s) para relembrar e cada vez a menos futuro(s) ambicionarão.

Trata-se, de facto de Presente(s), de uma quadra de Comércio, num quadro de Consumo, sendo que, desde há muito e, desconfio, para todo o sempre e para sempre, a quadra é dada à arte (do Comércio) e é parte do quadro (do Consumo).

 

SABER-SER COMÉRCIO E DESASSOSSEGOS ENTRE OFERTA E PROCURA!

Apesar de não aceite de igual forma por todos, pelo menos em épocas julgadas ultrapassadas, por vezes nem sempre superadas, é facto que os comércios que subsistem são aqueles que têm clientes, que têm procura, que vendem aquilo que … se compra.

Poder-se-ia focar a destrinça entre clientes, compradores, consumidores e/ou “meras” procuras, mas isso daria argumentação acrescida para enveredar por outros caminhos de discussão sobre o(s) comércio(s) de ontem, de hoje, de amanhã!

Consensualizando que a oferta acabou por se “moldar” às necessidades da procura – atual ou potencial, isto é, efetivamente, … o Comércio.

É neste tabuleiro que desde sempre se tem jogado o Comércio – por um lado os que, para (sobre)viver, têm de comprar, por outro, os que, igualmente, para (sobre)viver, têm que vender!

Parecendo simples, pouco gerador de controvérsia, constitui-se tema de inúmeras reflexões, muitas delas centrando-se naquilo que se poderá apelidar de intensidade da manifesta e evidente pretensão – “ter de (…)”!

Tem-se por necessidade, tem-se por arte e ofício, tem-se por herança, tem-se por obrigação, tem-se por dever, tem-se por respeito e/ou tem-se por … ter!

Quem tem de comprar justifica-se com uma qualquer (de preferência, bem identificada) necessidade sentida, podendo adquirir outro qualquer bem/produto/serviço que possa satisfazer a mesma necessidade, caso aquilo que inicialmente pretendia esteja indisponível, temporária ou definitivamente.

Haverá sempre, cada vez mais, um modo alternativo de poder substituir a forma como se satisfaz a necessidade. É a atual multiplicidade da(s) oferta(s)!

Há uma determinada necessidade sentida que faz com que surja a vontade voluntária (também, de preferência!) de a poder satisfazer, sendo que para tal haverá sempre um bem/produto/serviço que preenche, ainda que possa ser de forma apenas parcial, os requisitos (pré)definidos, os sintomas, as caraterísticas ideais, a(s) vontade(s).

Em suma, haverá oferta para toda a procura!

Passando do patamar da compra para o do consumo, tudo poderá parecer diferente. Se na compra se fica com a ideia de que se compra apenas aquilo de que se precisa, quando falamos de consumo fica a sensação que se compra quase sempre para além da(s) simple(s) necessidade(s).

Estar-se-á perante mérito(s) da(s) nova(s) oferta(s) ou demérito(s) das figuras que protagonizam a procura?

Neste contexto, talvez seja de concluir que já não será tão evidente que haja procura para toda a oferta! Daí que o “ter de …” quase dá lugar ao “tive que …”, ou melhor, “tive de aproveitar” (!) (ao que acrescento, e talvez, seja mais prudente, algo do tipo “a procura foi forçada a aproveitar e a oferta aproveitou-se!”).

Tal constatação pode ser, ainda, mais evidente quando há curtas décadas existia o “livro” (do verdadeiro desassossego, primeiro para quem vendia, mais tarde para quem comprava), “o caderno”, “o bloco” onde se assentavam as dívidas (na ótica de quem compra), no tempo em que se podia (e ficava, deveras!) a dever na mercearia, e não só, pagava-se ao final do mês ou quando “desse mais jeito”. Nesse tempo vendia-se e comprava-se, em simultâneo. As dívidas pagavam-se, não se eternizavam.

Veio o nosso tempo, do consumo, em que surge o crédito, onde se fica também a dever, por vezes, bem mais do que aquilo que se pode pagar, simplesmente, adia-se o pagamento, para além do fim do mês, liquidando aquilo que se consumiu, quase de imediato, e com a estranha sensação de que não houve uma compra, pareceu-se mais com um negócio, de facto há uma negociação a montante de que a procura poucas vezes se apercebe.

Já quem vende tem como pretensão vender o que tem … à venda, sendo que a ideia de que o cliente compra aquilo que está à venda, que está disponível, já não vinga nestes dias. Isto porque a tal multiplicidade e as capacidades acrescidas da oferta e dos seus novos e/ou renovados formatos introduziram novas nuances na forma de pensar e de atuar dessa oferta.

Pode-se dizer que num passado, que parece cada vez mais longínquo, a oferta ditava as regras, ou seja, perante um leque de escolha bem mais restrito, a procura limitava-se a comprar aquilo que a oferta tinha para vender, pouco mais do que isso. A oferta (só) vendia e a procura (só) comprava!

Hoje, apesar de com alguma surpresa, mas sem surpresas algumas, ainda, se discutir, em círculos restritos, questões de forma, como sejam, conceitos como “comércio tradicional”, “comércio local”, “comércio de rua”, “comércio de proximidade”, etc., os que conseguiram progredir para patamares mais … pragmáticos de abordagem dos conteúdos, conseguem vislumbrar o novo comércio, quiçá comércio novo, isto é, aquele que, respeitando a génese do mesmo, ou seja, a satisfação plena das necessidades evidenciadas pela procura, molda-se diariamente à procura, empreendendo, criando e inovando, conquistando mercado, espaço, quota, negócio, …, consumidores, pessoas, enfim, procura.

Tal postura será assumida, mais cedo ou mais tarde, por todo(s) o(s) comércio(s), sendo que quem o não fizer, jamais será … Comércio.

De há uns tempos, a procura mais conhecedora, esclarecida e exigente, “dita as regras”, pelo que a breve trecho também clarificará os conceitos – o Comércio, podendo ser discutido na(s) forma(s), sempre privilegiará o(s) conteúdo(s), pois, afinal de contas, é isso que faz todos os dias, quando abre a sua loja, monta a sua banca ou arruma o seu terrado!

Seja local, de rua, de proximidade, tradicional ou outro, há que “Saber Ser Comércio” l

 

COMÉRCIO É SOBRE TUDO, SOBRETUDO ARTE QUE DESASSOSSEGA QUEM A SENTE!

Por muito que possa custar a entender e aceitar a tantas "almas", o Comércio é, será sempre, muito mais do que mera Economia. Por isso, se alguém tiver a pretensão (pois da responsabilidade dificilmente conseguirá escapar!) de algo fazer pelo(s) Comércio(s), seja qual for o nível de intervenção - Administração central e local ou outros, convirá reter algo que seja sobre a presente reflexão.

O Comércio é ... Economia, mas o que menos importa para a esfera do conhecimento e para acumular competência(s) é ... o comércio da Economia. Interessa, sim, mais que tudo, aprofundar o estudo da Economia do Comércio.

O Comércio é ... Cultura, mas o que menos importa para a esfera do conhecimento e para acumular competência(s) é ... o comércio da Cultura. Interessa, sim, mais que tudo, aprofundar o estudo da Cultura do Comércio.

O Comércio é ... Sociologia, mas o que menos importa para a esfera do conhecimento e para acumular competência(s) é ... o comércio da Sociologia. Interessa, sim, mais que tudo, aprofundar o estudo da Sociologia do Comércio.

O Comércio é ... História, mas o que menos importa para a esfera do conhecimento e para acumular competência(s) é ... o comércio da História. Interessa, sim, mais que tudo, aprofundar o estudo da História do Comércio.

O Comércio é (...) Geografia, Arquitetura, Engenharia, (...) Política!

Enfim! Porque as competências e atribuições, enfim, a(s) responsabilidade(s) sobre o Comércio e o seu futuro não estão entregues nem às "gentes puras" da Economia, da Cultura, da Sociologia, da História, (...), mas sim ...da Política, talvez seja chegada a hora de aprofundar o estudo da Política do Comércio e ter a coragem de desprezar, de vez, o "comércio" da Política. Virá isto a propósito da emergente necessidade de se encarar e trabalhar, também politicamente, o Comércio!

Ainda assim, para quem possa estar mais confuso e pretenda algo mais palpável e concreto sobre o "desassossego" que continua a pairar sobre o(s) nosso(s) Comércio(s), questione-se e reflita, sob o manto da perspicácia de Pessoa, verdadeiro mestre em desassossego, e decerto constata, bem à sua volta (quiçá, em si mesmo) que, de facto, " (...) cada um compreende só o que sente, (...) E entre alma e alma a estupidez é imensa."!  

 

DESASSOSSEGOS ARITMÉTICOS DOS ATORES!

O desassossego na reflexão sobre os atores do comércio inquieta quando se começa a percecionar que os atores não atuam, não agem, tão pouco reagem. Refletir sobre o papel dos diversos atores, conduz a um penoso desiderato, noutras artes. decerto meritório, os atores do(s) comércio(s) representam…papéis. Confessando que não surpreende a constatação, pelas evidências da inação, enveredo por reflexão menos dada a prosas, mais consentida nas aritméticas.

As operações com que todos deviam saber lidar, de preferência sem equívocos comprometedores, representam no Comércio diferentes posturas e perspetivas, não só sobre aquilo que o setor significa para a economia do país e das cidades, mas também para o que deveria representar para o seu futuro.

Mas simples operações, ditas aritméticas, parecem ser objeto de traduções tão díspares que, por vezes, parecem consubstanciar fundamento para a ação ou inação, por parte dos principais grupos (meros conjuntos?) de atores.

Atente-se, então:

Os comerciantes, a subtração de há muito, diminuem-se, menosprezam-se, vitimizam-se, vão, demasiadas vezes a menos.

As estruturas associativas, vulgo associações comerciais, grémios de empresários, a divisão entre pares, quocientes comprometidos, dividir para reinar (ou...será para sobreviver?), a imprescindível união do que parece, ainda, demasiado dividido.

A administração local, a câmara municipal, a autarquia, a adição de atribuições e competências em matéria de Comércio, a soma de receita(s), sejam os licenciamentos, as taxas ou os impostos municipais; querer fazer mais e melhor nem sempre será crer mais em melhorar!

A administração central, o governo, vá lá, Governo, com letra maiúscula, a multiplicação de burocracias, remodelam-se vezes demais para tão parco(s) resultado(s), mobiliza-se vezes de menos para algo, por vezes, se poder fazer, multiplicam-se adiamentos!

O facto de serem quatro os grupos de atores e quatro as operações poderá ser visto como mera coincidência, mas para que não fique, uma vez mais, tudo igual algo haverá a operacionalizar, que não seja por falta de operações, por muito que se possa entender o tema do Comércio como mera aritmética, em que o resultado, curiosamente, até poderia e deveria agradar a todas as partes! 

A esperança pode residir na constatação de que, apesar de tudo, têm-se multiplicado ideias sobre Comércio, por haver adução de conhecimento sobre o tema, dividindo-se opiniões pela sua diferença, felizmente, mais criativas e mais inovadoras, bem mais, e menos amadoras e menos inflexíveis, bem menos.

Apesar de tudo, o problema não é apenas uma questão de contas, pois todos queremos que a palavra ainda conte. Cremos em tal...aritmética e suas operações!

DESASSOSSEGOS DE PONTUAÇÃO NA ESSÊNCIA DO COMÉRCIO OU AS (MAL)DITAS RETICÊNCIAS (...)!

Ironias à volta das "(r)evoluções" no Comércio, dito, pequeno, nunca menor, se bem que colocadas entre aspas, têm sido, ainda assim, pontuadas de distintas formas, diferentes formatos, diversas evoluções, raros planos, áridas medidas, enfim, dir-se-á, ações pouco consequentes! 

Às inúmeras interrogações da oferta sobre aquilo pelo que a procura exclama, as reticências de um planeamento comercial inexistente, as pausas pela espera de ação, quase sempre separadas por demasiadas vírgulas ou as inações sucessivamente justificadas, por via de incompetentes reticências e mal utilizados pontos e vírgula, parecem justificar os dois pontos que sempre visam anunciar algo, porventura, planos, medidas ou ações que possam propor muito mais do que um...ponto final ou simplesmente o evitem, dando continuidade à espera do futuro que, também no Comércio, está sempre por chegar.

E porque este conto sobre o Comércio pequeno, jamais menor, tanto se arrasta, também não será desta que terminará com um ponto final, mas sim com as tais ditas ou malditas reticências...

 

João Manuel Cebolas Batista Barreta

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

 

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