O que é ser português? - Mariana Cunha
Tamanha complexidade associada a este tão nobre
tema.
É
importante referir que ser português nos dias de hoje difere consideravelmente do que era há 50 anos. E há 100. Ser
português é um conceito mutável, no entanto,
absolutamente mirífico.
Ser
português é ser caloroso, não só pelo clima mediterrânico que se faz sentir neste nosso sereno país, mas pela
educação, pela hospitalidade por que somos tão bem conhecidos, tanto cá dentro, como lá fora. Quem pensa em
Portugal pensa em praias, calor,
futebol, gastronomia, as lautas paisagens lisboetas ornamentadas pela
inigualável arquitetura contemporânea tradicional, os
suspiros à beira Tejo e, é claro, o fado.
Ah,
o fado, a nossa arte, que tanto orgulho nos traz! Uma guitarra portuguesa, um xaile, uma flor no cabelo e uma voz
inigualável que toca ao coração do nosso povo.
Canta sobre a tristeza, a nostalgia, a amargura das contrariedades que
vivemos, mas acima de tudo, canta
sobre esperança. Canta com o coração, com a alma lusitana, que todos os portugueses compreendem tão bem.
Agora considerado Património Cultural e Imaterial
da Humanidade, os feitos portugueses vão muito além-fronteiras do nosso querido
país plantado à beira-mar.
Ser
português é gostar, naturalmente, de jantaradas em família, a mesa repleta de gargalhadas e conversa fiada, as
crianças em corrupio, o calor proveniente dos
cozinhados ímpares da avó, o cozido à portuguesa, o caldinho verde, os
pastéis de bacalhau e as sardinhas a
assar no grelhador, ser português é convívio, é “passou bem?”, é a conversa eloquente à volta da mesa
que, se nos deixassem, durava até de madrugada. São as jogatanas no jardim a apostar a feijões, os encontros
com os amigos para ver o jogo de futebol
da seleção, agarrados ao cachecol
e sentados mesmo à beira do sofá, com
o coração aos pulos e as lágrimas nos olhos, quando o remate certeiro de Éder entra,
quase que guiada por 10 milhões de portugueses, na baliza adversária. Portugal inteiro sai à rua e nesse momento, somos
um só. Um só povo, uma só nação. Estranhos abraçam-se
e celebram como se conhecessem há anos, pondo de lado qualquer diferença que o separe. Porque ser português é
isto, é união, mas acima de tudo, é saber quando se deve manter separado.
A
nossa história está repleta de mitos e lendas, romances impossíveis e histórias trágicas de amor, paixão e perda. Desde a
arrebatadora história de amor entre infante D.
Pedro e Inês de Castro até à apolínea poesia de Luís Vaz de Camões,
Fernando Pessoa e Florbela Espanca,
somos um povo com fortes raízes ligadas ao romanticismo, e assim sendo, também somos peritos em
demonstrá-lo. Pelos jardins mais deslumbrantes do nosso país passeiam jovens casais apaixonados, de mãos dadas,
cruzam olhares envergonhados e
sorrisos carinhosos. Os mais aventureiros, atrevem-se a trocar beijinhos de surra sob o olhar
escrutinante dos “velhos do Restelo” espalhados por Portugal fora, que indignados, comentam “isto no meu tempo não
era assim”, pois não, mas ser
português hoje não é o mesmo que ser português há 50 anos. Ou há 100. Nem o amor se manteve igual! Ser português
hoje é ser livre, é ter a hipótese de amar quem se quiser e não ser julgado por isso. Ser português é ser
tolerante, é avançar e deixar no passado
os preconceitos que outrora faziam parte da nossa educação, mas que hoje já não. É progresso, sem nunca descurar das
mais antigas tradições, como a ponte dos namorados
em Aveiro, os lenços dos namorados do Minho, a Cantarinha dos Namorados
de Guimarães ou a Pedra dos namorados
em São Pedro do Corval.
E
o que era de Portugal sem o nosso adorado Zé Povinho? Das mais antigas tradições portuguesas, esta imagem dá
vida, de forma caricaturada, a todos os portugueses
como forma de crítica social e ao sistema político. O povo português tem uma capacidade única de criticar os podres
da sociedade de forma humorística, não deixando
ninguém indiferente a este humor que tão bem nos caracteriza. A crítica sob a forma de caricatura é muito típica do português, basta relembrar o nosso alegre Carnaval
que não dispensa os inigualáveis cabeçudos, também eles uma caricatura de diversas personalidades (geralmente
políticas), são uma tradição muito nossa, que enche as festividades de alegria e risada. Quem fala em festividades
não pode deixar de fora os Caretos
de Podence, os Pauliteiros de Miranda e claro, os Santos populares, a noite portuguesa em que o povo sai à rua de pão
e sardinha na mão, tanto os mais jovens comos
os mais antigos, está-nos no sangue: ser português é ser apreciador da
festividade e celebração!
Mas ser português não é só folia, é também solenidade, história, tradição. É ser pioneiro de obras únicas, que enchem os olhos de milhares de turistas que passam por nós todos os anos. Com tradições que remetem ao século XVII, como o nosso Bordado de Arraiolos, as nossas Doçarias Conventuais, somos um país ímpar, cheio de história e herança cultural. Ser português é encher o peito de orgulho para falar das nossas paisagens, que roubam corações aos milhares que as admiram, palco de diversas histórias, mitos, lendas e até filmes conceituados, um cenário que não tem igual, e por mais fotografias que se tirem, não se capta o sentimento de plenitude, o aroma a liberdade, a brisa da saudade que nos abraça a todos no momento de partir. É este o nosso belo Portugal. O nosso continente, as nossas ilhas, o nosso orgulho, a nossa paixão.
Como
já vimos, ser português não é o mesmo hoje do que era há 50 ou há 100 anos, apesar de algumas tradições, lendas
e mitos se manterem inalteradas pelo tempo, a
essência portuguesa tem vindo a sofrer alterações. Encontramo-nos num
ponto da nossa história, em que ser
português em 2021 não é o mesmo que era em 2019. Ser português hoje, é deixar de lado os encontros e os
convívios, os festejos, é ver as nossas ruas que outrora vibravam de movimento, vazias. É descurar os beijos, os
abraços, mas nem por isso descurar no
afeto. Ser português é ser resiliente, e encontrar formas de contornar as adversidades, substituir os convívios por
videochamada, os beijinhos por conversas à janela,
é escrever textos longos e apaixonados em vez de o demonstrar através de abraços,
é enviar flores para quem se gosta e desabrochar sorrisos apaixonados, tal como
se estivessem presentes. O sentimento que reina é, curiosamente, uma palavra única da língua portuguesa: a saudade.
Saudade de tempos antigos e a ânsia de que estes voltem. Hoje, ser português é mais comedido,
mais consciente e responsável. É fazer um esforço hoje para que amanhã seja
melhor, por mais que o coração aperte, por mais que a lágrima caia, é seguir em frente e amar à distância como
se estivesse perto. Porque um dia estaremos
todos juntos novamente.
Ser português é tudo isto. Ser português é orgulho.
Somos um país pequeno, mas com um coração enorme.
Mariana Cunha
Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"
ENSAIO
Edição 2021
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