O Que É Ser Português? - Mafalda Pereira

O nascimento de Portugal, acontece em cada um de nós, quando não nos limitamos a olhar, e, começamos a ver, a reparar, que para falar de Portugal, temos de o sentir. Sentir Portugal num ato de sentir o que é ser português, ser português num ato de sentir o que é ser Portugal; Portugal de hoje, Portugal de ontem, Portugal de tudo e Portugal de nada!

Portugal é um diálogo inacabado, inquietante, intemporal, que “Por mares nunca de antes navegados” (Camões, 1572) enfrenta o desconhecido... Nem medo de ter medo tem.

Enfatize-se antes de mais que Portugal é um estado de espírito e que não é apenas quem nasce em Portugal que pode sentir o que é ser português.

“Portugal não é apenas Porto e Lisboa”, já ouvi isto muitas vezes, mas a verdade é que sempre que ouço isto, tenho a prova de que, para aquela pessoa Portugal é apenas “Porto e Lisboa”, posto isto, faço questão de enumerar o nome de todos os distritos que fazem de Portugal, o nosso Portugal, porque enquanto não fizermos “questão de”, a mentalidade da sociedade vai estagnar e eu recuso-me a acreditar que Portugal irá estagnar!

Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Bragança, Porto, Aveiro, Viseu, Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Santarém, Portalegre, Setúbal, Évora, Beja e Faro.

Temos ainda a Região Autónoma da Madeira que é composta por duas ilhas habitáveis, a Ilha da Madeira e a Ilha do Porto Santo, mais o conjunto das ilhas Desertas e das ilhas Selvagens que são inabitáveis; e a Região Autónoma dos Açores que é composta por 9 ilhas: Corvo, Flores, Faial, Graciosa, Pico, São Jorge, Terceira, Santa Maria e São Miguel.

Agora sim, posso continuar!

Sentir... Foquemo-nos no sentir que tantas vezes é esquecido. Arrepia-me a correria, a pressa que vejo à minha volta das pessoas... Porque tanta pressa? Porque?!

Portugal para mim é sinónimo de sentir, consequentemente ser português para mim é um sentimento.

Ser português é a eterna curiosidade de uma criança, misturada com a nostalgia do que já fomos com a esperança envolvente de o podermos voltar a ser!

Quando nós, portugueses, não nos limitamos a esperar por D. Sebastião que na névoa se perdeu, segundo o que a História nos conta, e, começamos a agir, recuperamos a invencibilidade que fez de nós o primeiro Império Global da História, a destemidez “Que da ocidental praia Lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados,/ Mais do que prometia a força humana, /E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram;” (Camões, 1572).

Nós portugueses que em 1143 assinamos o Tratado de Zamora e declaramos a nossa independência, tornamo-nos, arrisco-me a dizer num mito – “ O mito é o nada que é tudo” (Pessoa, 1934) – por tudo aquilo que até aí tinhamos conquistado e por tudo aquilo que ainda tinhamos por conquistar!

“Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce” - (Pessoa, 1934) – Os portugueses sonharam, e mesmo que “Deus” não quisesse, a obra teria nascido.

Portugal é uma obra de arte em constante mutação, a esperança que está pintada de verde na nossa bandeira, esse “sonho que comanda a vida” (Gedeão) – não teria sido concretizado sem o sangue, sem o sacrifício que nos distingue, que está pintado a vermelho na nossa bandeira e dentro de nós.

Tudo o que diz respeito a Portugal é uma extensão da sua arte. Posto isto é imperativo citar, o nosso Hino, escrito por Henrique Lopes de Mendonça e composto por Alfredo Keil:

 

“Heróis do mar, nobre Povo,
Nação valente, imortal
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal !
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há de guiar-te à vitória!
Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!”

 

Quando penso em Portugal, gosto de fazer um paralelismo com a vida em si, a vida de cada um de nós; para além de todo o esplendor que é a vida, a vida também são os medos, viver, passa por ultrapassá-los, a não ser que sejamos “cadáveres adiados” como diria Fernando Pessoa, limitando-nos, apenas, a existir, existir dá-me arrepios, enjoos, náuseas... Viver? Viver... Viver! Também me dá arrepios, mas são arrepios de querer viver, de querer ultrapassar todos os “cabos do medo”. Em maio de 1434, Gil Eanes com 15 homens, apenas! Numa barca, com um único mastro, uma única vela, movida a remos, ultrapassou o tão temível Cabo do Bojador – “Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor.” (Pessoa, 1934) – onde muitas embarcações desapareceram, onde foi posta em causa a existência de monstros marinhos!

Vamos parar, por favor, vamos parar e pensar realmente neste feito, por favor! Nós, portugueses, numa barca de madeira, enfrentamos o desconhecido como se do conhecido se tratasse! Nós, portugueses, respeitamos o mar, e, o mar, respeitou-nos, os “Deuses”, respeitaram-nos! O “perigo e o abismo” (Pessoa, 1934) não nos impediram de arriscarmos as nossas vidas, no mar, neste mar que é o Mar Português!!!

“Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena.” (Pessoa, 1934) – A nossa alma? Nunca acaba! Somos enormes, a passagem do Cabo Bojador foi o começo, o ponto de partida para a Era dos Descobrimentos, Era essa que devíamos ter em conta todos os dias da nossa vida, fomos nós, fomos nós..! E se fomos nós que marcamos essa Era, talvez esteja na altura de voltarmos a acreditar que somos capazes de descobrir e redescobrir, o mundo à nossa volta e dentro de nós.

Também nós somos uma barca, uma caravela, uma nau, no mar desconhecido, contudo, quando não nos limitamos a seguir a corrente, quando vamos contra ela, a magia acontece.

Portugal é um poema que se escreve a si mesmo.

“A alegria é a coisa mais séria da vida” – Almada Negreiros – O artista que me faz sentir um orgulho ainda maior de ser portuguesa, mestre! Sou completamente apaixonada pela sua obra, não consigo ser indiferente a tamanha mestria, sendo ele um autodidata.

Lembro-me quando era pequena, estava sentada na varanda com o meu avô e ele ensinou-me o significado da palavra “autodidata”, olhei para o meu avô e disse “então tu és um autodidata!” – ele sorriu, disse que não, mas eu sabia que ele era. Fomos para o quintal, de seguida, a minha conexão com a natureza nasceu nas tarde passadas no quintal com o meu avô, e, a palavra “autodidata” continuava na minha cabeça – eu também quero ser autodidata avô! Ensina-me! – na altura eu não entendi a resposta dele, disse-me que se me ensinasse então eu já não seria autodidata, hoje, quando olho para trás, vejo que ele todos os dias me mostrou o caminho para o ser, não me dava as respostas, mas fez com que eu chegasse a todas elas, e, mais importante ainda fez-me chegar às perguntas, que seria de mim sem as perguntas? Que seria de mim sem a eterna capacidade de me surpreender com o mundo à minha volta? Deixa-me triste, quando vejo pessoas que parece que se habituaram ao mundo e não se deixam maravilhar por ele, eu não quero ser uma dessas pessoas, por favor, não me deixes ser uma dessas pessoas!

Portugal é o colo do avô que acolhe e nos deixa ser crianças o resto da vida.

E o que é isto? Da “Alegria ser a coisa mais séria da vida”? Hoje, questiono-me a mim mesma, não sei porque, mas tenho a impressão que se estivesse naquele quintal, ia saber a resposta, fecho os olhos, inspiro a primavera que já chegou, sinto a brisa a dançar com as folhas das árvores, abro os olhos, expiro as minhas dúvidas, olho para o céu, eu sei a resposta, sorrio, eu ainda sei a resposta...!

Portugal para mim é o lugar mais humano, mais real que pode existir.

Recuemos no tempo... É meia noite e dois, no rádio passa “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso:

 

“Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade!
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena!

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade!
Terra da fraternidade

Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena!

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade!
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade!”

Não preciso de dizer que dia é, pois não?

As ruas cobrem-se de vermelho, a liberdade falou mais alto, cravos são distribuidos pelos soldados, estes, colocam-nos nos cabos das suas espingardas. A revolução pacífica que devolveu a liberdade a Portugal! o regime salazarista foi derrubado!

“Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo”

(Andresen)

 

Digam-me, onde é que houve uma revolução como esta? Cravos nas espingardas dos soldados! Isto só prova, que mesmo que tenhamos uma arma na mão, quem decide se a dispara ou não, somos nós, quem decide se quer fazer uso das balas ou não, somos nós, quem decide se quer colocar um cravo na espingarda ou não, somos nós, e, nós, decidimos colocar o cravo, a paz foi o caminho, e não é de facto a paz? O caminho? Onde é que a guerra nos leva? A lado nenhum. A paz, por outro lado, levou-nos à liberdade!

Portugal... Oh meu Portugal! Nosso Portugal! Oh! Portugal de todos!

Portugal, a tela em branco que é continuamente pintada por todos que a pisam, por todos que pensam nela, por todos que fizeram parte da História, todos! Não só aqueles que sabemos o nome, mas, principalmente aqueles, de que o nome, não fazemos ideia! O coração do mundo, que a cada batimento, escreve, na tela, as palavras que não foram ditas, que não precisam de ser ditas, que estão escritas no olhar de cada um de nós, ser português “é ser mais alto, é ser maior/ Do que os homens!” (Espanca) - “Nunca um verdadeiro português foi português: foi sempre tudo.” (Pessoa) – “Foi sempre tudo”... Nem é preciso dizer mais nada, pois não? “Foi sempre tudo”!!!

 

 

Mafalda Pereira

Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"

ENSAIO

Edição 2021

 

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