Cochim. Caminhos de Vasco da Gama - Felipe Daiello
Ao
alcançar Calicute na Índia, em 1498, Vasco da Gama não apenas baliza nova rota
marítima para o mundo, mas inicia uma revolução econômica ao levar os brasões
de Portugal para o Mar Índico. O monopólio do Império Otomano das especiarias
está a perigo. Desde as Ilhas Molucas, as Malek Utare, por Malaca, pela Taprobana,
pela Índia de Cochim, por Adem e Ormuz e seguindo o Mar Vermelho, por variantes
da Rota da Seda, as especiarias, valendo seu peso em ouro para os europeus,
chegavam a Istambul. Múltiplas fronteiras e postos de pedágio ao longo da
jornada aumentavam o custo.
Desde
a queda de Constantinopla em 1453, o governo de Mehmed II controla o mercado,
junto com sua aliada Veneza com os seus Doges. A primeira viagem não foi
tranquila, além das borrascas típicas do Cabo das Tormentas, a hostilidade dos
comerciantes muçulmanos de Calicute e a má vontade do Samorim local sinalizavam
problemas. No entanto, a carga no regresso, traz retorno financeiro
extraordinário à Coroa Portuguesa , superando em muito o investimento.
Em
1500, Pedro Alvares Cabral mesmo acompanhado da nata dos navegadores da época,
é desastre ao comandar a armada anual; na volta as poucas caravelas,
desarvoradas, não trazem mercadorias que compensem as custas.
Em
1502, Vasco da Gama na segunda viagem, no comando da nau Gabriel, com milhares
de soldados e marujos, em Cochim, na ilha de Mattancherry ao construir forte e
feitoria, de forma efetiva, inicia a construção do futuro Império de Portugal.
O marajá de Cochim, no Estado atual de Kerala necessita do apoio dos guerreiros
comedores de pedras e bebedouros de sangue para vencer o seu adversário, o
Samorim de Calicute.Com suas naus, seus canhões de bronze, nova tecnologia
naval de combate, os portugueses tendo na dieta alimentar o pão e o vinho, além
da alcunha e da valentia, traziam sempre a vitória. O suporte do Marajá é
fundamental para o desenvolvimento da ponta de lança lusa, para aquisição,
armazenagem e transporte das especiarias. Apesar das distâncias, dos perigos no
mar, Lisboa desloca o comercio do Mediterrâneo para o Atlântico, com melhores
preços o seu porto agora é o mais ativo da Europa.
Com
os ganhos crescentes Portugal investe mais sangue, suor e recursos na Índia.
Importante eliminar as posições inimigas em Adem e Ormuz. Em 1509 batalha naval
em Diu arrasa a frota muçulmana e o Mar Indico é o novo vassalo da flamula das
5 Torres e abre caminho para a conquista de Goa no ano seguinte. Em 1511, a
tomada de Malaca na Indonésia por Afonso de Albuquerque, festejada com
Te-déuns, repicar de sinos e cunhagem de medalhas em Lisboa representa o golpe
final na cadeia comercial turca.
Ao
contrário da colônia nas Terra dos Papagaios, onde os nativos eram selvagens
nômades e mesmo antropófagos, nas Índias civilização milenar oferecia artífices
e mão de obra qualificada para edificação de igrejas, de armazéns, de palácios,
de fortes, de estaleiros e instalações portuárias. Goa em breve pela majestade
e quantidade dos templos será denominada a Roma do Oriente.
Na
pluralidade indiana, com milhares de deuses para reverenciar, a inclusão de
mais um Deus, com os seus santos não é problema no seu panteão o que facilita a
evangelização dos novos adeptos e o trabalho dos jesuítas que chegam. Com a
expansão das conquistas, pelo clima amigo, os portugueses que arribam,
solteiros formam famílias, e, seus filhos mestiços são braços que seguem a nova
ordem; estimulados pelo rei e permitido pelo papa, podem ter duas famílias. Em
1524 devido as confusões e desmandos do governador Geral Duarte de Meneses,
Vasco da Gama, com 55 anos, é enviado na sua terceira viagem para com a sua
experiência e capacidade colocar em ordem a situação do caos reinante.
Infelizmente, morre no dia 24 de dezembro de 1524, três meses após à chegada,
possivelmente de febre tropical, sendo enterrado na Igreja de São Francisco,
onde lápide ainda marca o evento. Anos mais tarde os despojos são removidos por
seu filho para Portugal. Mas suas viagens não cessam, de igreja para igreja até
no Panteão do Mosteiro dos Jerônimos encontrar reconhecimento e repouso eterno.
Em 1557, após várias tentativas ilegais, em Macau permissão é concedida para
junto ao Rio das Pérolas instalar um posto de trocas com a China de Marco Polo.
Breve em 1564, outro posto comercial é concedido em Dejima junto ao porto de
Nagasaki na lendária da Terra do Sol Nascente. Surge a rota mais famosa e rica
do Império Português: Lisboa- Cabo da Boa Esperança- Goa- Malaca- Formosa-
Macau e Nagasaki. O sonho de Vasco da Gama não termina. A partir de 1580, sob o
comando de Filipe I de Portugal, extensão para Manilha-Acapulco-Veracruz-
Havana-Cádiz e Sevilha permitirá o retorno à Europa pelo trajeto projetado por
Cristóvão Colombo para chegar às Índias dos seus sonhos.
Com a cristianização crescente, igrejas,
capelas no mesmo estilo, pintadas no branco e com detalhes no azul se espalham
por todo o sul da Índia. Mesmo agora oratórios nas encruzilhadas reverenciam
São Francisco de Xavier, Santo António e mesmo Madre Teresa de Calcutá, onde fiéis
de todos os credos deixam as suas flores, suas orações e pedidos. Em 1550, o
Palácio Mattancherry, construído no estilo local pelos portugueses com pinturas
e ilustrações do Mahabharata com agradecimentos e pela outorga de direitos de
comércio e da posse de armazéns é doado ao marajá. Depois da conquista da terra
começa a fase da conquista das almas com Francisco de Xavier e de Matteo Ricci;
Goa será a base de outra epopeia.
Sob
o domínio espanhol, a partir de 1580, as terras do ultramar agora têm novo
inimigo. Amsterdã a província rebelde dos países baixos, com a Companhia
Holandesa das Índias Orientais vai tentar conquistar as joias do Império
Português, principalmente as ricas propriedades que as descobertas de Vasco da
Gama proporcionaram.
Em
1662, o bairro judeu de Cochim, a Kochi dos indianos, onde se concentrava a
comunidade hebraica, descendentes dos que fugiram de Jerusalém depois da
destruição por Tito e das suas legiões romanas em 70 d.C., foi devastado por
tropas vindas de Goa. Mas em 1664, os holandeses conquistam Cochim,
transformando o Palácio de Mattancherry na sede do governo e permitem que nova
leva judaica se estabeleça na cidade, quando a Sinagoga de Paradesi, o primeiro
templo da nação é construído na Índia. Mais tarde chegam os ingleses como novos
conquistadores, até a libertação da Índia em 1947. O Marajá de Kerala é um dos
últimos a aceitar os termos de Gandhi e de Nehru para integrar o novo país.
Hoje,
Cochim é uma das maiores cidade do Estado de Kerala. Base aeronaval indiana, na
parte antiga preserva as raízes e a herança portuguesa. Ruelas estreitas,
arquitetura colonial original, com mercados típicos de especiarias, de
perfumes, de tecidos, de sedas e joias. No mercado tradicional de antiguidades,
dos artistas, quatro religiões estão representadas nos trabalhos na madeira, no
ferro, na pedra e nas tintas. Ao lado de imagens de santos, de crucifixos,
pinturas e ícones cristãos, de símbolos mosaicos e da tradição judaica,
encontramos estátuas de Sidarta Gautama em todas as poses, mais de 64, tamanhos
e constituição. Estátuas de entes da Trindade Hindu, de Shiva, de Gamedes, de
Vishnu e de divindades estranhas do panteão indiano não podiam faltar. Lojas de
grife, com artigos de artistas de nome são peças para coleção de milionários.
Preciosidades antigas, joias da época do marfim legalizado, surgem em
mostruário de veludo e preços com milhares de zeros à direita. Tentações?
Pelo
interior, fugindo de tráfico caótico e errático, constatamos a importância dos
descobridores ao levar plantas, frutas tropicais, os coqueiros e as palmeiras
para outras colônias como o Brasil. Na contramão trouxeram das Américas a
pimenta vermelha, do gênero Capsicum, agora vendida aqui sob todas as
formas, em natura, secas, moídas, com misturas secretas e que aparece em todos
os pratos indianos, desde o café da manhã até em doces e sorvetes. Em alguns
locais a herança surge nos nomes das ruas e das cidades, em outros locais está
na cultura, nos termos da linguagem, nos nomes das pessoas e mesmo no DNA.
Ouvindo os sussurros dos ramos das palmeiras nos finais da tarde percebemos
antigas palavras:
Ser português é olhar o mar em busca de desafios, enfrentar deuses furiosos e os seus ventos coléricos, para encontrar terras desconhecidas onde colocar sementes, cultura, linguagem e os nossos filhos. Mesmo com o passar do tempo, nossas pegadas permanecem.
Felipe Daiello
Obra submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"
ENSAIO
Edição 2021
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