Ser Português - Andreia Belo
Afinal, o que é ser português? Há quem diga que é alguém pouco educado, rude, que
fala alto e a um ritmo acelerado e que chega constantemente atrasado. Também há quem o
considere um bom trabalhador e um
ser acolhedor.
É certo que somos um povo
descontraído, que não considera ofensivo chegar meia hora atrasado
aos compromissos. Mas não acredito
que ser português seja sinónimo de ser-se pouco educado.
Ser português está
intimamente ligado à nossa alma (lusitana), com um espírito e um sentimento muito próprios, de um país pequeno em tamanho, mas grandioso nos feitos mais que comprovados pela nossa história
de descobridores e conquistadores do mundo. Somos, assim, conhecidos por trazer novos mundos ao mundo e por um forte
sentido de solidariedade, entreajuda e hospitalidade.
Somos, como proclamado
pelo hino, nobres e valentes. Somos
resilientes, sofredores, corajosos, bravos, gloriosos, um tanto ou quanto dramáticos e muito dados
à saudade, essa palavra tão nossa.
Na verdade, naquilo que o
português é melhor é no saber receber e acolher como ninguém: o português gosta de
ser bem recebido, mas é especialista na arte do bem
receber.
Não nos esqueçamos, por
outro lado, da fama de bons trabalhadores. Se há povo que é conhecido por trabalhar
(muito) é o português. No que diz respeito à vida
profissional, os portugueses exigem de si próprios ser exímios em tudo o que fazem, colocando tudo de si em cada pequena coisa, tal como dizia o poeta Fernando
Pessoa.
Ser português
é também ser europeu, viver de acordo com determinados valores, direitos, garantias e deveres comuns a um conjunto de
países e de cidadãos que se unem em prol de um projeto partilhado. Isto torna os portugueses mais diplomáticos, tolerantes, conscientes da diversidade cultural e da crescente necessidade de cooperação internacional.
É viver num contexto em
que o sistema político, social e económico não reúne, tantas vezes, as melhores condições, destacando-se o excesso de
burocracia e a fraca organização infraestrutural, a débil articulação entre as diferentes entidades, o difícil
acesso e a desagregação da informação e a deficiente ligação dos meios rurais aos meios urbanos.
Aponta-se o dedo à classe
política, a várias
classes profissionais (professores, médicos, juízes, agentes
da autoridade, etc.),
às instituições públicas, às organizações privadas e às diversas etnias
que se instalam no nosso país à procura
de uma oportunidade melhor.
Contudo, não somos o povo
mais reivindicativo ou o mais participativo, nem sempre compreendendo que, efetivamente, está na nossa “mão”
transformar o que está à nossa volta.
Prova disso é o crescente distanciamento dos cidadãos em relação à política e a elevada abstenção nos atos eleitorais
das últimas décadas.
É o que me leva a afirmar que somos um povo pacifista, conformista e acomodado, que se salva
pela vontade incessante que tem de se superar.
O povo português ficou
marcado pelos anos de ditadura vividos, condição que resulta, muitas vezes, na presença
de uma mentalidade mais fechada
e conservadora, sobretudo nas
faixas etárias mais avançadas. Identificando-se ainda, talvez por isso, a existência de casos de resistência à
mudança ou de processos de mudança que iniciaram tardiamente.
Temos, deste modo, caminho a percorrer no que concerne à aceitação e respeito pela diferença e por novos ideais, ao que
é novo, às grandes transformações que
resultam da tecnologia, da inovação, de novas tendências, necessidades, soluções
e novas formas de pensar, de trabalhar,
de fazer e de criar.
Não obstante,
reconhecemos o trabalho, o esforço e o investimento que têm sido
aplicados pelos portugueses no sentido de tornarem os seus negócios
inovadores e diferenciadores, sobretudo no atual contexto de pandemia
que vivemos, em que para tudo (ou
quase tudo) foi necessário adaptar, reinventar, inovar e empreender.
Nós, portugueses, nem sempre nos autovalorizamos, atribuindo maior relevância ao que não é nosso, ambicionando e desejando o que não temos, o
que não somos, o que acontece fora das nossas
fronteiras.
Somos dos melhores
produtores de vinho do mundo, podemos dizê-lo. Temos do melhor peixe e da melhor carne do mundo, podemos dizê-lo.
Temos dos melhores chefs de cozinha
do mundo, também podemos dizê-lo. Temos dos melhores desportistas do mundo, sabemos
que podemos dizê-lo.
Temos diversas personalidades do meio artístico
e cultural entre as melhores
do mundo, devemos
dizê-lo.
Destacamo-nos nas mais diversas
vertentes, desde a segurança, a gastronomia, o clima, a cultura, a proximidade e ligação ao mar e à pesca,
a qualidade de vida e do meio ambiente, as tradições e o
artesanato ao crescimento exponencial do turismo, que resulta do melhor que temos para
oferecer.
Ser português
é viver num país livre e seguro.
Ser português é gostar de
petiscos, da posta de bacalhau, dos enchidos, da tigela de vinho, da sardinha assada, das festas populares e
romarias (onde assistimos ao despique dos grupos de bombos, ao desfile das marchas populares e às atuações dos grupos folclóricos),
do fado, dos azulejos, dos vastíssimos
miradouros, da calçada portuguesa, dos cruzeiros, capelas, igrejas e santuários, dos fortes, castelos
e muralhas, das praias do norte de água gelada
e das praias algarvias com temperaturas bem mais amenas.
Ser português é visitar a
serra; é ouvir o canto alentejano e o fado e sentir um orgulho sem par.
É falar português, a 5ª
língua mais falada do mundo, é dizer com vaidade que é a língua de Camões e que pode ser ouvida em praticamente todos os continentes (na Europa, na África, na América e na Ásia).
A Língua Portuguesa para além de ser
uma língua que aproxima e liga continentes, é motivo de forte empatia entre portugueses, brasileiros e espanhóis, pelas naturais semelhanças no idioma.
É ter o privilégio de
viver num país rico no que à natureza diz respeito, que assenta na diversidade da fauna e da flora, o que nos oferece um
conjunto completo e rico de matéria-prima
que nos permite satisfazer muitas das nossas
necessidades: de produção, de abastecimento, de lazer, de criação de
novos negócios e de emprego.
Somos um povo que tem
junto de si rio, mar, campo, montanha, quintas de cultivo do azeite e do vinho e pomares de fruta, que pode
desfrutar de belezas paisagísticas de fazer cortar a respiração e onde o ar é fresco e leve e predominam os cheiros do pinheiro, da giesta, do carvalho e do castanheiro, que nos preenchem e libertam a alma.
O português encontra-se, por outro lado, muito ligado à fé e à religião, à Igreja Católica, a Fátima. Sempre fomos fortes no acreditar que o impossível só o é até chegar alguém que o torne possível, a remarmos contramarés, a enfrentarmos com toda a resiliência que nos caracteriza várias crises económicas, sociais, ambientais e políticas. Assim como, certamente, iremos recuperar da atual crise pandémica, mais fortes, mais preparados.
Continuamos a nossa luta pela igualdade
de género, pela igualdade de oportunidades e inclusão social,
por melhores condições
de trabalho, pela urgência
de reduzirmos o nosso impacto no meio ambiente, pela liberdade de expressão, pela não violência, contra a corrupção, pela maior transparência das organizações, pela valorização da produção nacional.
Ser português
é ser-se simples
e humilde, próximo,
informal e afável.
Os portugueses são o povo dos
afetos, do toque, do aconchego e conforto do lar, que encontra reconforto nas iguarias da sua gastronomia e que
procura manter o seu equilíbrio físico e mental através
da contemplação da natureza.
É o povo que transmite histórias
de geração em geração, que vibra com a vitória
do Europeu de 2016 e com um “Amar pelos dois”, interpretado por Salvador Sobral, que nos levou até ao primeiro
lugar do Festival Eurovisão da Canção 2017.
Demonstrações do quanto somos magnânimos, lutadores, persistentes e talentosos.
Ser português é querer manter o antigo, o rústico,
o tradicional. É ser-se genuíno,
é ter orgulho no que somos, no que fazemos e
no que temos, no nosso património cultural. É viver com mágoa e ser de sorriso aberto e
fácil.
É sentir para além do
palpável, ler nas entrelinhas, encontrar na história e no passado bem-sucedido a esperança e a força
para enfrentar as inquietudes do presente e encarar
o futuro com garra.
Andreia
Belo
Obra
submetida a concurso
"O Que É Ser Português?"
ENSAIO
Edição 2021
Comentários
Enviar um comentário